SEM MEDO DA PSICANÁLISE E DO PSICANALISTA

Quantas vezes não ouço que psicanálise é coisa para gente doida, neurótica, histérica, ou para quem é rico e não tem o que fazer, então vai matar tempo com o analista. Que é chegar num consultório, ficar deitado num divã, falando sem parar, com o analista longe de seu campo de visão, ouvindo-o ou fazendo sabe-se lá o quê...

Iniciei meu atual processo de psicanálise (sim, pois já tive um anterior) por vontade própria, num momento muito difícil de minha vida, em que me sentia totalmente perdido, num beco sem saída, em depressão. Creio que esse meu movimento interior de procurar um analista e ter tido empatia imediata com ele foi muito positivo, pois já comecei o processo com vontade e confiante que dali resultaria algo positivo. Ter ido com boa vontade, aberto e ter encontrado um profissional muito bom de cara foi meio caminho andado. Mas, isso poderia não ter acontecido, eu poderia não ter tido empatia para com ele, não ter sentido confiança para me abrir, como aconteceu com muita gente que conheço. Aí, só posso dizer algo: se achar que é seu momento mesmo de vivenciar um processo de psicanálise, não desista, procure outro profissional.

Sim, porque a análise é algo muito bom. Muito! Não é coisa de doido ou de desocupado. É um processo que o ajuda a melhorar como pessoa para si mesmo. Você estando com o desejo de que as coisas fluam, estando com um profissional habilitado e humano, consegue importantes resultados positivos. Conhece-se melhor, em primeiro lugar. Começa a discernir o que é bom ou não para você, dentro de si, em sua vida, em seus atos, nos seus contatos pessoais. E aí vem o amar-se melhor, respeitar-se mais, reorganizar a vida pessoal, afetiva, social, profissional, já que você está mais próximo de si e do que quer e precisa para estar bem. Eu considero a análise essencialmente um processo de autoconhecimento orientado por um profissional que o ajuda a encontrar respostas dentro de você mesmo e quando necessário lhe dá orientações e "dicas" de como poderia proceder de forma positiva. Analista não é milagreiro, nem dono da verdade. Nem vai resolver seus problemas por você. Ele lhe apresentará instrumentos para isso, muitos resgatados de dentro de você mesmo. Portanto, a análise só dá certo quando permitimos, colaboramos. O profissional pode ser maravilhoso, habilitado, com uma técnica ótima, mas, se eu não quiser, a coisa não irá em frente. Preciso colaborar. É 50% de mim, 50% dele, essa proporção oscilando para mais ou para menos para algum dos lados em diferentes momentos. Mas nunca será 100% de um lado e 0% do outro.

Tenho conhecimento de casos em que o psicanalista deu alta para a pessoa depois de 3 meses de análise. Por quê? Na verdade, porque o paciente analisado não cooperava em nada, não se abria, não permitia que o processo acontecesse de forma alguma. Se foi correto dar alta para esse paciente ou não, não questiono a atitude do profissional, mas uso esse exemplo só para reforçar que se o paciente não faz a parte dele, a coisa não vai para frente. Claro, o inverso é verdadeiro. Se o profissional não inspira identificação, empatia e confiança no paciente, não tem técnica, qualidade, melhor procurar outro psicanalista, se for percebido que não existe mesmo indisposição/resistência da parte de quem está no consultório para ser analisado. Mas é importante não desistir da psicanálise. Ok, também pode ser que você, como paciente, não esteja em seu momento para começar num processo de psicanálise. Tudo bem, dê um tempo, retorne quando achar que chegou a hora. Ou talvez seu caminho seja outro, outro tipo de terapia, tudo bem. Mas chegue a esa conclusão de forma sincera, não movido por resistências interiores ou exteriores.

O psicanalista não é um Freud de charuto na mão e cara emburrada. Pelo menos, não tem de ser assim. Há profisionais e profissionais, que seguem diferentes linhas da psicanálise. Pode ser que ele peça para que deite num divã e fique sentado fora de seu campo de visão, pode ser que ele peça que sente numa poltrona de frente para ele, ou mesmo dê a opção de escolher, se quer o divão ou a poltrona. Pode ser que ele ouça mais e você fale mais, ou vice-versa, isso também varia de sessão para sessão, de momento para momento. O bom profissional saberá quando agir de uma forma ou de outra. A sessão pode ser de grande interação entre você e ele, parecendo mesmo uma conversa, um diálogo. Ele pode ser mais distante ou mais próximo, afetivo. Psicanalistas são pessoas como você, com características próprias e diferentes de um para o outro. Além de profissional, ele é um ser humano, que também tem problemas, alegrias, ama, se frustra, conquista. Pessoalmente, eu queria um profissional que fosse informal, que mostrasse seu lado humano e desse opiniões como profissional e também como pessoa, e achei. Se você quer um profissional majoritariamente "profissional", mais técnico e distante, também existe. Ou seja, há psicanalistas de todos os tipos para todos os "gostos" e necessidades.

Outra coisa que se ouve muito é alguém dizer que saiu arrasado de uma sessão de análise, que é muito difícil o processo. Algumas sessões são mais densas que outras, mais impactantes, e podemos sair do consultório aparentemente pior do que chegamos. É que geralmente ficamos assim quando alguém nos diz algo que mexe com nossas convicções, com nossos medos, traumas. Não gostamos quando alguém nos dá uma "chamada". Mas, adiantaria se o analista ficasse o tempo todo dizendo "amém" para o que falamos, somos e fazemos? Um amigo de verdade muitas vezes discute com a gente para que nos melhoremos. Assim como o bom profissional às vezes nos "repreende" quando estamos nos fazendo ir "poço abaixo", ou dando "murros em ponta de faca". Uma chamada à realidade, a não compactuação com uma fantasia negativa nossa na forma de uma "bronquinha" é para o bem da gente, para nosso crescimento e melhora.

O psicanalista não vai brigar com você se fizer algo "errado", absurdo, infantil, não vai colocá-lo de castigo. Pode falar mais sério e duro consigo, mas isso não significa que deseja humilhá-lo, tratá-lo mal (se existe algum profissional que faz isso por sadismo, é o caso de refletir, perceber se realmente é isso e procurar outro). Quando ele o repreender, vai fazê-lo parar para pensar, cair na realidade. Vai auxiliá-lo, depois, na busca por respostas e atitudes positivas, dará orientações, que, se você estiver aberto para ouvir e pensar sobre, verá que são muito úteis. Ele não irá lhe chamar à atenção e só. Vai fazer isso e quando oportuno trabalhar com você na busca de soluções.

Portanto, há profissionais diferentes, linhas diferentes. Haverá um profissional com quem se identifique e uma linha de análise com a qual isso também aconteça. Talvez o medo real não seja do analista, nem da imagem que se faz da psicanálise, do que os outros vão dizer quando souberem que você faz análise. O medo maior talvez seja o de você entrar num processo que irá mexer com seus conceitos, ideias, mitos, que o obrigará a ficar cara a cara consigo, conhecer seu interior e reformulá-lo. Ou seja, dá medo de mexer na situação, muitas vezes, por pior que percebamos que ela esteja. Dá medo perceber que vivemos uma mentira, ou que fingimos ser o que não somos, que nos machucamos por hábito ou nos vitimizamos para chamar a atenção, daí vai. Conhecer-se de verdade pode ser amedrontador. Mas, na psicanálise, isso é feito dentro do seu tempo e dos seus limites, não precisa ser uma "terapia de choque". E é feito para seu benefício. Vale a pena enfrentar esse medinho e tentar, se perceber que quer, que chegou a hora. Os resultados positivos, quando começam a aparecer e ser percebidos, valem o esforço.

Cuidemos de nossas próprias vidas. Vamos atrás do que pode ser bom para nós, mesmo que possa parecer desgastante no começo, mesmo que fantasiemos que será difícil. Se não for bom, você poderá parar e retomar depois, de forma diferente, se quiser. Só não se impeça de começar por medos infundados ou por ignorância em relação à coisa. Converse com quem faz, colha informações, impressões, leia sobre, reflita, se desejar, antes de partir para a ação, no caso, a psicanálise. Quando sentir que pode ser o momento, vá. Arrisque-se. A chance de valer muito a pena, de ser muito bom, é bastante grande! Sem se preocupar quanto tempo demorará o processo, quando terá alta, etc., de repente pode se tornar algo tão positivo para você que a análise será por tempo indefinido. Vá sem autocobrança. Encare seu medo e dê um voto de confiança e disposição para que aconteça. Repito, o retorno poderá ser muito bom!

USE A RAIVA A SEU FAVOR

Muitas vezes ouvi, em sessões de análise, meu psicanalista me dizer: "Que bom que você está sentindo raiva! Use-a seu favor!".

Sim, a raiva pode ser um ótimo sentimento, positivo. Muito melhor que aceitar uma situação com resignação, passividade, engoli-la e deixá-la dentro de nós, guardada e transformada em mágoa e pensamentos tristes. Porém, de nada adianta sentir raiva, perder a cabeça, acabar se prejudicando até e, no final das contas, piorar a situação ou, depois de tanto estribuchar... sentar no sofá e acabar aceitando uma situação tão passivamente como quem desde o início assim o fez!

Usar a raiva positivamente significa vivenciar esse sentimento e transformá-lo em força motriz de uma mudança. De pensamento, atitude, vida. Usá-la positivamente significa entender por que esse sentimento surgiu, aceitá-lo, ver se não é fruto de algum desejo ou ideia nossa que na verdade não é muito "correto", é egoísta, infantil. Caso a raiva seja motivada por imaturidade, ignorância ou egoísmo nosso, vamos trabalhar nosso interior para melhorarmos, sem nos culparmos pelo que sentimos ou pelo que somos no momento, mas procurando nos aperfeiçoar como pessoas. Caso a raiva seja por um motivo válido, por uma injustiça real ou algo parecido, é hora de, com a ajuda de nossa racionalidade e bom senso, utilizar a energia desse sentimento para promover as mudanças desejadas, encontrar soluções para eliminarmos ou minimizarmos o que nos indignou.

Não é tão fácil assim, as explosões de fúria parecem nos cegar e aí agimos irracionalmente, muitas vezes. Nessas horas, melhor nos calarmos ou afastarmos, respirarmos fundo, para depois, mais calmos, podermos refletir e entender a situação e o que fazer de positivo a nosso favor. Mas, nem sempre temos a chance de darmos essa "parada", muitas vezes nem podemos. Temos de agir na hora, até em defesa própria. Aí, então, procuremos ao máximo usar de racionalidade para agir. Usar todo o movimento que acontece dentro de nós para daí obtermos a melhor orientação a seguir. Quanto mais fazemos isso, fica mais rápido e fácil agir com equilíbrio em situações de estresse e raiva. Vamos "pegando prática".

Não é a melhor solução fazer do movimento interior que a raiva nos causa uma força propulsora da vingança. Trabalhar nesse sentido faz com que usemos nossa inteligência e energia em algo que não será verdadeiramente produtivo para nós, não nos fará crescer nem trará sincero bem estar. Nem é bom jogarmos essa revolta contra nós mesmos, nos punido de diferentes formas. Com isso, não mudamos nada, só nos prejudicamos e atingimos, exclusivamente. Empreguemos nosso tempo e forças numa empreitada que signifique benefícios a nós mesmos.

Ter raiva significa que você está vivo, tem sentimentos. Conheça-os, o porque de existirem. Reflita sobre eles e sobre como seguir em frente da melhor maneira. Transforme a força da raiva em mais força positiva de vida.

Marcus Facciollo

Minha foto Desde 1994, vem investindo no crescimento pessoal, autoconhecimento e melhor entendimento da vida e do ser humano, seja por meio de cursos (como os da Fundação ACL) ou de (auto)análise. Desde criança, tem vocação para escrever e para o mundo das letras, área na qual é formado. Trabalha atualmente como revisor de textos e publica textos de sua autoria nas áreas de comportamento humano, relacionamentos e autoconhecimento. Lança em breve seu livro "A vida pode ser mais leve", coautoria com Sérgio Fernandes.
E-mail: marcusmf@gmail.com

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